Os efeitos de um encontro com o real no XXII Encontro Brasileiro do Campo Freudiano
Sinto-me honrada por participar da abertura do Encontro como Membro da Escola e sua atual Presidente. Quero aproveitar a oportunidade para manifestar meu entusiasmo diante do trabalho da Escola nesse ano tão difícil porque, de saída, uma pergunta inquietava a todos nós no Conselho e na Diretoria da Escola: como, em meio a tantas condições adversas, se poderia realizar um trabalho dentre os quais o Encontro se destaca?
Isso foi superado e aqui estamos, embora este Encontro não seja de corpos presentes, mas de corpos transpostos a um espaço onde comparecemos com apenas o olhar e a voz. Pensando nisso, fui levada a outra questão: com o que nos encontramos aqui? Qual a preposição que enlaça, nas atuais circunstâncias, o termo Encontro, presente em Encontro da Escola Brasileira de Psicanálise do Campo Freudiano e nós? Seria um Encontro de psicanalistas? Sobre determinado tema que varia a cada Encontro? Vejam que no substantivo Encontro, está elidido quem se encontra e com o que se encontra. O sujeito e o objeto de encontrar e ainda a preposição que os enlaça: “com” não aparecem.
Pensar isso me trouxe um desenvolvimento sobre o que eu já havia percebido, certamente muito outros aqui também, mas que eu ainda não havia me detido para articular um pouco mais. O fato de que a pandemia e o isolamento nos levaram um encontro inteiramente diverso do encontro esperado de colegas, uns com outros, para falar sobre isso ou aquilo. Fomos forçados por um encontro contingencial que forçou o isolamento e atropelou a forma habitual de eventos com as quais estávamos acostumados.
Observem que antes desse acontecimento imprevisto, já se pretendia abordar o tema – O feminino infamiliar. Dizer o indizível. No entanto, a irrupção da pandemia furou todos os cálculos com os quais nos familiarizamos na construção de um saber fazer encontros. Este é o 23º encontro de uma série. Houve então um confronto com um enigma, uma falta de saber fazer diante de um Unheimlich, presença Outra, inesperada, não domesticada, o que, de certa forma, nos feminizou. Nosso saber fálico de mestria em eventos não era mais suficiente. Por algumas semanas houve silêncio. Foi preciso aguardar e avaliar a dimensão e os efeitos do choque para poder subjetivar como lidar com a situação.
Então, talvez possamos fazer uma analogia e dizer que este encontro ganhou outra perspectiva, enquanto tal, pelo fato de termos topado, desde o início de sua preparação, com algo infamiliar, índice do real – um encontro com o real. Encontro imprescindível para “a experiência do real no tratamento psicanalítico”, título de um dos cursos publicados de Jacques-Alain Miller, que dá ao real um enorme valor, uma vez que ele comparece nos fins da psicanálise, seus princípios e seus meios. Seja porque o encontro com o real – o que Freud chamou de trauma e Lacan de furo – pode levar ao encontro com um analista; seja porque é desejável que o real irrompa nas sessões, o que pode se dar pelas contingências da vida, mas deve também ser manejado pela transferência; e mais ainda, porque a finalidade de uma análise é a extração de um saber fazer com isso – o real.
Então, se tomamos a sugestão de Miller em A teoria de Turim para pensar a Escola como sujeito, podemos verificar que ela enfrentou e contornou o real, o feminino, o infamiliar e o indizível que a pandemia nos trouxe, revelando a força da transferência de trabalho e do trabalho de transferência que a sustenta. Pode ser que este encontro carregue então essa marca. A de um Encontro com a experiência do que se extrai da psicanálise, quando os termos do título feminino, infamiliar, indizível, não são mais apenas objetos temáticos. Devido a uma quase inacreditável coincidência, pelo fato de se apresentarem na experiência, eles puderam operar, desde a preparação do evento, como objetos causa de desejo, no sentido psicanalítico. Objetos que levam o sujeito ao trabalho, que permitem mutações, que preparam, a cada vez, um saber fazer com isso, no caso a Escola, e nela a transmissão da psicanálise. Antecipo, portanto, e com muito desejo, o que os trabalhos e debates vão nos ensinar. E destaco, em especial, o primeiro testemunho inédito de nossa colega da EBP Tânia Abreu, AE recém nomeada.
Para concluir, em nome próprio e em nome do Conselho, quero parabenizar o Diretor da EBP, Sérgio de Castro, e toda a sua equipe de organização, em grande parte baiana – axé! –, pela forma com que manejaram a adversidade do encontro presencial para, de forma inédita, tornar possível este Encontro.
Aproveito ainda para convidar os colegas que são Membros da Escola a continuar recolhendo os efeitos de tudo isso no Congresso de Membros que vai acontecer nos dias 23 e 24 de abril, e cujo tema – Psicanálise: os fins, os princípios e os meios – foi escolhido devido a inquietação com a modalidade online, única forma possível de trabalho, pelo menos por enquanto. Será um evento via zoom, restrito aos Membros da Escola aos quais convidamos a participar. Inclusive, se desejarem com o envio de pequenos textos para os boletins Um por Um que preparam o evento.
Sejam bem-vindos… aqui e lá… nos espaços abertos pelo desejo!