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Ana Lucia Lutterbach, Elizabete Siqueira e Fernanda Otoni

 

Lacan fez do gozo feminino uma generalização por sua natureza irrepresentável, indizível e ilimitada. Um gozo irredutível, que escapa e não todo se enquadra à lógica fálica. É esse outro gozo que “isola em cada um dos seres falantes sua parte irredutível de inumanidade”[1].

O gozo como tal é feminino, mas não é coisa de mulher. Trata-se de uma experiência, onde cada um se entrega em seu exílio do Outro sem soltar uma palavra. Um abandono ao infinito, impossível de dizer. Não há nenhum binarismo entre masculino e feminino. O gozo feminino, seja para o homem como para a mulher, é um acontecimento de corpo fora do sentido.

O corpo de que se trata aqui não se define pela imagem ou pela forma, como o corpo do estádio do espelho, nem é o corpo que seria o da relação sexual, mas um corpo  material feito pelo choque com a língua que fez dele um aparelho de gozo, onde “a repetição do Um comemora uma irrupção de gozo inesquecível”. Enfim, um corpo falante ativado pela iteração desse gozo mudo, opaco, fora do sentido. O gozo como tal não é edipiano, é o gozo do acontecimento de corpo, um gozo não simbolizável, indizível, afim com infinito.

A psicanálise freudiana ofereceu uma solução pelo viés do Nome-do-Pai, mas nem todas soluções seguem essa via principal. Tal evidência clínica faz com que Lacan pluralize os Nomes do Pai. Ademais, há um resto,      que aí corresponde ao que Freud chamava de restos sintomáticos, e a generalização do gozo feminino permitiu a Lacan estabelecer o que chamou de sinthoma, que reconcilia a experiência analítica com o que há de inerte, o que não faz história, o que não se pode contar e que não cessa de não se escrever.

Um mundo regido por um tal “princípio de ilimitação”[2] está, de fato, sempre presente no laço social e na formação do sinthoma, em cada ser sexuado, de onde decorre o fracasso do programa da civilização em reprimir as pulsões. Tal leitura coloca em relevo a feminização do mundo como o sintoma de nossa época. Se tal empuxo ao ilimitado pode se revelar em soluções tirânicas e cruéis, segundo o imperativo insaciável do Supereu, por outro lado, Lacan opõe a esse gozo infinito a aposta no sinthoma como parceiro, um convite à invenção de um laço, um saber fazer com o inumano e uma abertura à incidência do feminino na civilização.

O eixo 2 é um convite para explorarmos: as soluções singulares; as amarrações e as parcerias sinthomáticas que nos permitem operar com esse gozo “completamente só” na experiência analítica; a política da psicanálise e sua ação face aos discursos de nossa época e as consequências éticas para nossa prática.

 

 


 
[1] Miller, J-A. Préface. In: Biagi-Chai, F. Le cas Landru. Paris: Imago, 2014. p.13
[2] Laurent, É. t. Correio, Belo Horizonte, Editora EBP, n. 80, pp. 13-16, 2017.